quinta-feira, 23 de abril de 2009
Derivações
Hoje, tenho toda a pressa do mundo, não para chegar, mas para ficar à deriva, tal qual Pessoa em sua imprecisão lírica (Navegar é preciso, viver não é preciso): cisão náutica da morte pelo tempo, cisão da vida tal qual nau precisa orientada pelo vento.
quinta-feira, 16 de abril de 2009
quarta-feira, 15 de abril de 2009
Dulcência
Tornei-me professor por um erro etimológico: achei que a palavra docência vinha de doce, da essência do “ser doce”... Viciado em chocolate e outras guloseimas açucaradas, abandonei os computadores e conduzi a minha vida em busca desse sabor. Sabor que às vezes dilui-se um pouco na rotina acadêmica entre tantas tarefas que me afasta, diabeticamente, do que sempre leva minha glicemia às alturas, sem, no entanto, nunca me fazer mal: a sala de aula...
domingo, 12 de abril de 2009
Amnésio
A ????????
Filha de Urano e Gaia, Mnemosine é a deusa da memória, aquela que preserva os seres do esquecimento (acho que é isso, se me recordo bem)... Se a lembrança é uma dádiva, em demasia, ela torna-se um mal, pois a hipermemória destrói qualquer possibilidade de convivência social, uma vez que o recordar contínuo põe a nu a própria fraqueza e as fraquezas alheias. Por outro lado, a ausência completa de lembranças, ou a incapacidade de armazená-las, também configura-se como outro problema não menos grave... Eis aí a minha punição mítica: a hipomemória. Já fui a médicos, já fiz exercícios específicos pra reforçar a minha capacidade para lembrar, já comprei uma agenda (mas sempre me esqueço de anotar as coisas e pior: me esqueço de consultá-la), já me desesperei com isso, mas, com o tempo, descobri que esse mal traz desvantagens, mas também muitas benesses... Ao mesmo tempo em que não me lembro das rotas no trânsito (canso de sair e esquecer para onde vou), de onde coloquei as chaves (acho que esse objeto deveria ser extinto da face da terra, em face de sua capacidade de ocultar-se), a carteira, as meias etc, também esqueço-me facilmente das ofensas, de coisas ruins, dos motivos que desencadearam brigas (minha esposa diverte-se quando algumas horas depois de alguma discussão, eu sorrio, começo a brincar e depois pergunto a ela: - acho que havíamos brigado, eu estava zangado com você, qual foi o motivo mesmo? óbvio que depois disso rimos e eu dificilmente recordo outra vez o que realmente aconteceu)...
Ah! tentei por exemplo escrever este texto algumas vezes, mas advinhe: sempre me esquecia quando sentava-me em frente ao computador...
Filho bastardo da deusa Mnemosine, sigo com meus esquecimentos constantes... Aliás, o que era mesmo que eu ia colocar aqui no fim do texto?
sexta-feira, 3 de abril de 2009
Corpus Christi
Os meus olhos míopes, sem óculos (exigência daquilo que teoricamente seria um personagem), viam com tamanha nitidez que não desejo nem aos que me odeiam tal dádiva. Ouçam: ao homem é dada a dose certa de miopia para que ele sobreviva, pois ver com acuidade, em demasia, é estar sempre a mercê das paisagens insólitas que vão se tecendo sob os olhos e que cegam pela luz.
Como já disse, jamais faria esse “papel” outra vez: já crucificado, olhei de cima e vi minha mãe, também uma Maria, dentre a multidão, seu sofrimento não era cenográfico, suas lágrimas um oceano de ausências, seu olhar fúnebre velava um filho que des-nascia publicamente pelas faltas alheias. Àquela altura a minha dor não era interpretação... A solidão mais árida trespassou meu corpo na lança do soldado. Só, só, só, a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e só, não imaginava beber gota-a-gota aquele cálice. Ao fim da madrugada, minha voz foi um grito tão intenso que despertou o sol no horizonte e o público que acompanhava a via crucis petrificou-se com a “interpretação” tão perfeita e emocionante daquele jovem que, na verdade, desesperado, sofria, pensava em sair dali e já questionava sua própria fé: - MEU DEUS, MEU DEUS, POR QUE? POR QUE? POR QUE ME ABANDONASTES?
A casa de farinha
Herdei nome e pele de meu avô: Henrique. Ah! E também um pouco de sua carrancice sem hora marcada. A minha lembrança mais gostosa dele é a de uma Casa de Farinha que lhe pertencia mais afetivamente que de posse. Recordo-me de eu e meu pai o visitarmos no interior e depararmo-nos com meu avô, o alquimista, produzindo a maior invenção do homem em todos os tempos (ao lado do café, é claro): a farinha de mandioca.
Alguns homens erguem mansões para si, outros adquirem (auto)(i)móveis de luxo. Meu avô, com suas mãos obstruídas pela idade, erigiu uma Casa de Sensações para os seus. Os cheiros e sabores de sua alquimia ainda me entranham as narinas e repousam no meu paladar. Seu corpo físico, como a Casa de Farinha, demolido e sepultado pelo tempo, habita-me.
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Filosofia Clichê e Fórmula 1
Para sobreviver, muitos de nós precisamos "lançar mão" da filosofia do kers: todos obstáculos, impossibilidades, negações não devem ser dispersadas, sua força de frenagem quase paralisante sobre as nossas vidas devem ser acumuladas e devolvidas em igual intensidade para projetar o carro de nossa existência, volta a volta, ao pódio. Como intelectual negro oriundo da perifa ainda uso um kers antigo, construído com as mãos artesãs de meus pais, que, na impossibilidade de darem-me um carro veloz, doaram-me seus pés calejados "pra mode" eu andar pelos atalhos dos trilhos rumo ao sucesso.