quinta-feira, 12 de março de 2009

O café que me toma

Descobri que minha falecida avó reencarnou no aroma do pó de café, pois não havia como reduzi-la, outra vez, para cabê-la em um corpo...
Sábia, como era, apesar de ser chamada de analfabeta (o que são as letras para quem se comunicava com o corpo, para quem escrevia sua vida nas folhas, não as de papel, com as quais operava verdadeiros milagres entre chás, rezas e remédios caseiros), ela não reencarnou no pó, mas no aroma da cafeína exalada um ponto antes da fervura da água (o segredo de um café perfeito) impregnando minhas narinas, meu corpo, minha alma...
Hoje, não mais à tarde como nos tempos de escola, quando preparo meu café noturno, sou tomado pelo torpor sinestésico de sua materna (oni)presença. Tentado, não resisto e peço a sua benção antes de dormir como nos tempos de outrora: -Deus te abençoe.

3 comentários:

aeronauta disse...

Ai, que coisa linda! E que bom que você voltou! Bjos, saudades.

Canto da Sereia disse...

Omindudu... café! Sua avó não é fraca não! É forte! Idéia brilhante a de ressignificar a irremediável e insossa assertiva "o homem veio do pó e ao pó retornará". Então a negra mulher faz melhor, pretende voltar ao pó sim, ao pó de café: preto, forte, cheiroso, gostoso, marcante, único! Café que revigora, energiza, seduz e vicia. Esqueçamos o vício como pecado, não é isso! Não há pecado. Ser viciado em café é gostar de sentir, toda hora, a sensação de que tudo só está começando. Lembra o início de um dia, a pausa no trabalho, as reticências para uma boa conversa, o conforto de uma xícara nas leituras noturnas. Pecado? Pecado é não viver a vida com todas as suas sinestesias, é fechar os poros, os olhos, os braços, a boca, os ouvidos, a cabeça. O café deveria mesmo ser tombado como patrimônio cultural brasileiro. Faz parte da nossa memória. Certa estava a sua vó retornando ao pó... de café! Ah, a moca, café com farinha, que alimentou nossos velhos ancestrais! Apreciar um bom café é, sobretudo, gostar de sentir as mãos das nossas avós afagando as nossas cabeças, abençoando-nos. Um abraço, meu velho amigo! Amei seu texto! Atotô!

LÍVIA NATÁLIA disse...

Com saudade de te ver pelas letras.
Amo!